Existe uma história no Tibete a respeito de dois irmãos; um deles possuía noventa e nove iaques, enquanto o outro tinha apenas um. 0 irmão pobre estava bastante contente com o seu único iaque; estava muito feliz e acreditava que era possuidor de grande riqueza. Possuía um iaque e isso era de fato tudo o que precisava; era o bastante e ele não tinha nenhum receio em particular de perdê-lo. Na verdade, o prazer de possuí-lo era maior que o medo de perdê-lo, enquanto o outro irmão estava sempre com receio de perder os seus iaques. Ele sempre tinha de cuidar deles e, nas Terras Montanhosas do Tibete, normalmente existem muitos lobos e ursos montanheses e os iaques muitas vezes morrem com as privações do inverno. No que se refere aos cuidados com os animais, existem muito mais problemas lá do que nesta parte do mundo. Assim sendo, um dia, o irmão rico pensou: "Bem, acho que vou pedir um favor ao meu irmão." Entendam, ele não tinha apenas medo de perder seus iaques, mas também tinha muita ganância de possuir mais. Dirigiu-se então a seu irmão e disse: "Bem, sei que você tem apenas um iaque que não faz muita diferença para você. Assim, se você não tivesse nenhum, isso não teria muita importância. Porém, se você me der o seu iaque, terei então cem iaques, o que significa muito para mim. Quero dizer que cem iaques de fato significam algo. Se eu possuísse tantos iaques assim, seria realmente uma pessoa rica e famosa." Assim, ele pediu o favor, e o outro irmão desistiu do seu iaque com facilidade. Ele não hesitou, apenas o deu. Essa história, então, tornou-se conhecida no Tibete ilustrando o fato de que, quando alguém tem muito, deseja mais e, quando tem pouco, está preparado para dar. Aí está a possessividade, a ânsia psicológica; e isso se refere não só ao dinheiro e à riqueza, mas também ao sentimento profundamente arraigado de desejar possuir, de desejar manter as coisas, de desejar que as coisas pertençam de modo definitivo a você.
Extraído do livro: Meditação na Ação, de Chogyam Trungpa.
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