quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Um conto de Tolstoi narrado pelo mestre Zen Thay


A um imperador certa vez ocorreu-lhe que nada jamais o afastaria do caminho justo se soubesse responder apenas às seguintes perguntas:

Qual é o melhor momento para qualquer coisa?
Quais são as pessoas mais importantes em qualquer trabalho?
Qual é a coisa mais importante a fazer em qualquer momento?

O imperador promulgou um decreto para todo o seu império a anunciar que quem soubesse responder às três perguntas receberia uma grande recompensa. Depois de terem lido este decreto, muitos se dirigiram ao palácio com as suas diferentes respostas.

Respondendo à primeira pergunta, alguém sugeriu ao imperador que estabelecesse uma ocupação total do tempo, com as horas, dias, meses, anos e as tarefas a realizar. Se seguisse isso à letra, o imperador poderia então vir a fazer cada coisa em seu devido tempo. Uma outra pessoa retorquiu que era impossível prever tudo, que o imperador devia pôr de parte todas as distracções inúteis e que se devia manter atento a todas as coisas de maneira a saber quando e como agir. Uma outra insistiu em que o imperador não podia sozinho possuir a clarividência e a competência necessárias para decidir quando fazer algo. Parecia-lhe que o mais importante era nomear um Conselho de Sábios e de agir de acordo com as suas recomendações. Uma outra pessoa disse que certas questões necessitavam de um decisão imediata e não podiam esperar por uma consulta. Contudo, se o soberano desejasse conhecer com antecedência o que ia acontecer, ser-lhe-ia possível interrogar os adivinhos e os magos.

As respostas à segunda pergunta divergiram também muito entre si. Alguém disse que o imperador devia colocar toda a sua confiança nos seus ministros, um outro recomendou que fosse nos padres e nos monges, outros, ainda, nos médicos e mesmo nos militares.

À terceira pergunta foram dadas respostas igualmente variadas. Alguns afirmaram que a procura mais importante era a ciência, outros insistiram que era a religião e outros ainda que era a arte militar. O imperador não ficou satisfeito com nenhuma das repostas e não atribuiu a ninguém a recompensa.

Depois de várias noites de reflexão, o soberano decidiu visitar um eremita que vivia na montanha e que era tido por um ser iluminado. O imperador desejava encontrar o santo homem para lhe colocar as três perguntas, sabendo muito bem que o eremita nunca deixava as montanhas e que era conhecido por não receber senão pessoas pobres e por recusar qualquer contacto com ricos e poderosos. Por esta razão, o soberano disfarçou-se de camponês pobre e ordenou à sua escolta que esperasse por ele aos pés da montanha enquanto procurava sozinho o eremita.

Ao chegar à morada do homem santo, o imperador avistou-o a cavar o jardim diante da sua cabana. Ao ver o estrangeiro, o eremita saudou-o com a cabeça e continuou a cavar. Era um trabalho aparentemente muito penoso para um velho como ele; ofegava ruidosamente de cada vez que enterrava a enxada no solo para revolver a terra. O imperador aproximou-se dele e disse: “Vim pedir a vossa ajuda. São estas as minhas perguntas:

Qual é o melhor momento para qualquer coisa?
Quais são as pessoas mais importantes em qualquer trabalho?
Qual é a coisa mais importante a fazer em qualquer momento?”

O eremita escutou-o atentamente e, depois de dar uma pequena palmada no ombro do imperador, retomou o trabalho. O monarca disse então:
“Deveis estar cansado. Deixai-me ajudar-vos”.
O velho homem agradeceu-lhe, entregou-lhe a enxada e sentou-se no chão para descansar. Depois de ter cavado duas leiras, o imperador parou, voltou-se para o eremita e repetiu-lhe as suas três perguntas. De novo, o velho homem não lhe respondeu, mas levantou-se e, mostrando a enxada, disse-lhe: “Porque não descansais um pouco? Eu continuo”. Mas o imperador continuou a cavar a terra. Passaram uma e outra hora. Por fim, o sol pôs-se atrás da montanha. O soberano pousou a enxada e disse ao eremita: “Escutai-me, eu vim até aqui para vos perguntar se sabeis responder às minhas três perguntas. Mas se não souberdes, dizei-mo para eu regressar a casa”.

O eremita levantou a cabeça e perguntou ao imperador: “Ouvis alguém a correr na nossa direcção?” O imperador voltou a cabeça e ambos viram surgir do bosque um homem com uma longa barba branca. Corria tropegamente, com as mãos a pressionar uma ferida no ventre, que sangrava. O homem correu em direcção ao soberano até cair sem sentidos no chão. Gemia e, ao abrir a sua camisa, o imperador e o eremita viram que ele tinha uma ferida profunda. O monarca limpou-a totalmente, e a seguir fez-lhe um penso com a sua própria camisa. Visto que o sangue corria abundantemente, teve de enxaguar e enfaixar várias vezes a sua camisa até conseguir estancar o sangue da ferida.

Finalmente, o homem ferido retomou a consciência e pediu água. O imperador correu até ao ribeiro e trouxe consigo uma bilha de água fresca. Ao longo de todo este tempo, o sol pusera-se e instalara-se o frio da noite. O eremita ajudou o imperador a levar o homem para a cabana onde o deitaram sobre a cama. Aí, fechou os olhos e adormeceu sossegadamente. O soberano estava esgotado pela longa jornada que fizera, de caminhar na montanha e de cavar o jardim. Apoiando-se à porta, adormeceu. Por um momento, esqueceu-se onde estava e o que ali tinha vindo fazer. Quando acordou, olhou para a cama e viu o homem ferido, que também se perguntava o que fazia ali naquela cabana. Quando este viu o imperador, olhou-o atentamente nos olhos e disse num murmúrio dificilmente perceptível: “Por favor, perdoai-me”.
“Mas o que fizestes para merecerdes ser perdoado?” perguntou o soberano.
“Vossa Majestade não me conhece, mas eu conheço-vos. Eu fui vosso inimigo e fiz o voto de me vingar por terdes morto o meu irmão na última guerra e por vos terdes apoderado de todos os meus bens. Quando soube que vínheis sozinho a esta montanha para vos encontrardes com o eremita, decidi montar-vos uma cilada e matar-vos. Esperei durante muito tempo, mas vendo que não vínheis, deixei o meu esconderijo para vos procurar. Foi assim que acabei por dar com os soldados da vossa guarda que, ao reconhecerem-me, infligiram-me esta ferida. Felizmente, consegui fugir e correr até aqui. Se não vos tivésseis encontrado, teria com certeza morrido na hora. Eu tinha a intenção de vos matar e vós salvastes-me a vida! Sinto uma enorme vergonha, mas também um reconhecimento infinito. Se viver, faço o voto de vos servir até ao meu derradeiro sopro e ordenarei aos meus filhos e aos meus netos que sigam o meu exemplo. Suplico-vos, Majestade, concedei-me o vosso perdão!”

O imperador encheu-se de alegria ao ver com que facilidade se havia reconciliado com um antigo inimigo. Não apenas o perdoou, mas prometeu também restituir-lhe todos os seus bens e enviar o seu próprio médico e os seus servidores para se ocuparem dele até se curar completamente. Após ter dado ordem à sua escolta de reconduzir o homem a sua casa, o imperador regressou para se encontrar com o eremita. Antes de regressar ao seu palácio, o soberano desejava, por uma última vez, fazer as três perguntas ao velho homem. Encontrou o eremita a semear os grãos nas leiras cavadas na véspera. O velho homem levantou-se e olhou-o. “Mas já tendes a resposta a essas perguntas”.
“Como assim?”, disse o imperador intrigado.
“Ontem, se não tivésseis tido piedade da minha velhice e não me tivésseis ajudado a cavar a terra, teríeis sido atacado por este homem quando regressásseis. Teríeis então lamentado profundamente não terdes ficado comigo. Por consequência, o momento mais importante foi o tempo passado a cavar o jardim, a pessoa mais importante fui eu e a coisa mais importante foi ajudares-me. Mais tarde, depois da chegada do homem ferido, o momento mais importante foi aquele que passastes a tratar da ferida, porque se o não tivésseis feito, ele teria morrido e vós teríeis desperdiçado a ocasião de vos reconciliar com um inimigo. Do mesmo modo, ele foi a pessoa mais importante, e cuidar da ferida foi a tarefa mais importante. Lembrai-vos que não existe senão um único momento importante, que é agora.

Este instante presente é o único momento sobre o qual podemos exercer o nosso magistério. A pessoa mais importante é sempre a pessoa com a qual se está, aquela que está diante de vós, porque quem sabe se vireis a estar ocupado com uma outra no futuro? A tarefa mais importante é fazer feliz a pessoa que está ao vosso lado, porque a procura da vida é apenas isso.”

Tradução de José Eduardo Reis

Publicado no blog E-Sangha

2 comentários:

Anônimo disse...

Sensacional!
Muito obrigada por isso!

Mistérios, Magias ou Milagres. disse...

Estava precisando disto obrigada voce é especial. bjs