sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Quietude e silêncio


O primeiro meio utilizado pelo mestre zen para preparar e abrir o discípulo à experiência do Ser é o silêncio.

O silêncio como caminho rumo à experiência no qual o homem sente o Ser dentro de si é praticado na arte da meditação, isto é, no profundo recolhimento do silêncio. Esse exercício tem suas raízes e é protegido por um culto do silêncio típico do Oriente em geral e do Zen em particular.

A meditação silenciosa é o elemento central da vida dos monges. Porém, "o sentar-se em silêncio" não é praticado apenas nos mosteiros. É muito mais uma prática que faz parte da vida do Oriente, na medida em que este ainda preserva de algum modo as antigas tradições. Porém, até no Oriente, só aqueles que realmente sabem o que estão buscando encontram o maior tesouro que esse silêncio é capaz de oferecer: o contato com a essência de cada um.

Todos os mestres nos dizem que a origem da vida — origem esta que a nossa consciência objetiva tão facilmente nos impede de ver — nos fala principalmente através do silêncio. Diz o mestre Suzuki: "No espírito do Oriente há um grande silêncio, uma quietude que é impossível perturbar, que parece sempre contemplar a eternidade. Essa quietude, contudo, não é ausência de vida. É a quietude do 'abismo da eternidade' no qual todas as coisas estão no seu próprio elemento. Aquele que confunde essa quietude com decomposição e morte se sur¬preenderá com a forte impressão de atividade que pode irromper desse silêncio eterno." Essa quietude também é característica do Zen. É o silêncio do insondável, um farol para prática que nada pode perturbar ou obscurecer, porque é o ponto no qual a vida, além de qualquer conceito ou imagem, tem origem; e esse é também o motivo pelo qual nenhum conceito, imagem ou pergunta pode penetrá-lo.

Poucas coisas fazem tanta falta ao mundo ocidental como o silêncio e não há nada que lhe seja tão difícil como a prática do silêncio. O ruído nos assalta de todos os lados com o barulho do mundo, mas muito mais com o tumulto interior das ansiedades que nos assaltam, dos sentimentos não correspondidos, dos impulsos reprimidos e, sobretudo, a turbulência interior proveniente da falta de contacto com a nossa essência intrínseca aprisionada. Acostumados ao barulho e a ele incorporados, com frequência já não podemos viver sem ele, nem fugir do ruído ou seja lá do que for que nos incomode.

Fugimos para a multiplicidade que ressoa a nossa volta e no nosso interior, e perdemos o Um de que tanto precisamos e que só se revela na quietude. Fugimos do encontro com nós mesmos. E é esse justamente o sentido de sentar-se em silêncio: o encontro consigo mesmo e com a sua essência intrínseca e — no caminho rumo a esse encontro — com tudo o que nos separa dessa essência.

Há também um silêncio que fala e que só se dirige a nós quando, imóveis, atentos à sua resposta, nós o suportamos com grande paciência. Durante a noite, desesperado, rogando a “Deus” por uma resposta, quem já não provou esse silêncio, que, mantendo-se calado, nos lançou em trevas muito mais profundas? Contudo, se suportamos esse silêncio sem reclamar, surge de súbito a resposta, irradiando luz. E, no entanto, o que será mais estranho à nossa habitual escuta distraída do que o silêncio absoluto? A verdade intrínseca, contudo, não nos fala na nossa linguagem normal. E é exatamente o confronto com esse silêncio que nos abala quando toda a nossa expectativa se concentra numa resposta que de repente pode despertar a nossa consciência. Os mestres zen sabem disso.

Inúmeros são os exemplos nos quais o discípulo iluminado, pleno de um apaixonado anseio pela verdade, procura o mestre para obter uma resposta à pergunta que, depois de longa busca, encerra e concentra toda a sua angústia. O mestre o recebe. É chegado o grande momento, o momento decisivo. O mestre sabe que agora tudo está em jogo. O que ele dirá? O discípulo faz a pergunta: é agora que virá a resposta! E então acontece o inesperado: o mestre o olha — fixamente, perscrutando-o — e se cala num silêncio de bronze. E então o discípulo é atingido como por um raio. Todo o edifício sobre o qual se estruturava a sua pergunta desmoronou. E a evidência o atinge. Ele se sente en¬volvido por um torvelinho, chora, ri — ele foi despertado!

Extraído do livro "O Zen e Nós" de Karfrig G. Durckhem.

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