segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

O Budismo tem uma visão negativa da vida? O Budismo é niilista?


por Michael Beisert

1. O Budismo é uma doutrina com uma visão negativa da vida? O Budismo é niilista?

Não, o Budismo não tem uma visão negativa da vida e nem é niilista. Mas é uma realidade que no Ocidente o Budismo tem sido rotulado como uma religião negativa que enfatiza o sofrimento e a negação da vida, que defende o niilismo.

2. Porque o Budismo recebeu esse rótulo negativo no Ocidente?

Essa idéia surgiu entre filósofos europeus durante o século 19. Na época, vários escritores influentes, baseados em leituras falhas dos textos Budistas, rotularam o Budismo como uma forma perigosa de niilismo.

Mais recentemente, esse tipo de idéia prevalece mesmo dentro da Igreja Católica, como pode ser constatado no livro "Crossing the Threshold of Hope", escrito pelo Papa João Paulo II. Nesse livro, o Papa afirma que a iluminação do Buda teve como base a convicção de que o mundo representa o mal e é a fonte de sofrimento do homem. Dessa forma, para se livrar do sofrimento é necessário se livrar do mundo. Seria necessário romper os vínculos que nos atam à realidade externa. Quanto mais nos libertarmos desses vínculos mais nos libertaremos do sofrimento, isto é, do mal que provém do mundo.

O Buda nunca afirmou que o mundo é a fonte do mal e do sofrimento. A ênfase do ensinamento Budista está na mente e não no mundo. O mundo é neutro – é a mente do homem que cria dificuldades no mundo. A fonte do sofrimento, de acordo com o ensinamento do Buda, é a cobiça e a raiva numa mente confusa. Essas características não são do mundo, mas do próprio homem.

3. Mas o que é o niilismo?

Niilismo é uma designação atribuída a várias filosofias radicais que rejeitam todo e qualquer valor positivo e não acreditam em nada. Os niilistas adotam um visão materialista da vida e afirmam que depois da morte não há nada. Ou seja, com a morte, esse tipo de doutrina considera que não só o corpo é aniquilado, mas a mente também é completamente aniquilada.

O Budismo rejeita esse tipo de doutrina e afirma que após a morte há a continuidade da consciência. Não no sentido de uma entidade permanente, como por exemplo uma alma ou espírito, mas uma consciência que está sujeita a um contínuo processo de vir a ser ou devir. Além disso, a doutrina de karma, ou lei da natureza relativa às ações e suas conseqüências, que faz parte dos ensinamentos centrais no Budismo, também é evidência de que o Budismo não ensina a aniquilação completa com a morte.

4. Mas o vazio ou vacuidade no Budismo não é uma afirmação niilista?

O termo técnico Budista shunyata (em sânscrito) ou suññata (em Pali) tem dado origem a mal entendidos no Ocidente, onde esse termo é interpretado como o nada, a ausência ou extinção da existência. Shunyata, ou vacuidade, é um sinônimo para a origem dependente. A origem dependente é provavelmente o ensinamento Budista mais importante e em essência afirma que todas as coisas, quer sejam materiais ou mentais, surgem, subsistem e desaparecem de acordo com causas e condições.

Nenhum tipo de coisa existe de forma autônoma, independente de causas e condições. Essas causas e condições são internas e externas. Por exemplo, uma árvore depende para sua sobrevivência do seu tronco, raízes, galhos e folhas, que são as suas condições internas, mas também a árvore depende da terra, do sol, do abastecimento de água e das condições climáticas de uma forma geral para a sua sobrevivência, essas são as condições externas. Sem estar suportada por essas condições a árvore não existe, o que leva à conclusão de que a árvore em si é vazia.

Uma outra forma de análise é observar que as condições internas na verdade são partes nas quais a árvore pode ser dividida e ao dividir a árvore em partes, não há nada nessas partes que contenha em si a característica de árvore. A idéia da árvore é um conceito criado pela mente a partir da união daquelas partes e assim sendo a árvore em si é vazia.

Então, não é que o Budismo negue a existência das coisas, mas o que é negado é que as coisas possuam algum tipo de existência independente, autônoma. Se as coisas tivessem uma existência autônoma então o mundo seria estático, permanente. É evidente que esse não é o caso. Como as coisas são desprovidas de uma existência independente, autônoma, e dependem de causas e condições para se manifestar, é dito que as coisas são vazias, vazias de uma existência inerente. E justamente pelo fato das coisas serem vazias que a mudança é possível. As coisas mudam quando as condições das quais elas dependem mudam. Esse entendimento é o que viabiliza toda a prática Budista pois o caminho Budista trata da mudança, da transformação dos estados mentais inábeis, ou prejudiciais, em estados mentais hábeis, ou benéficos.

5. O Budismo então também rejeita a eternidade?

A idéia de uma vida eterna ou de coisas que durem para sempre é rejeitada no Budismo. Se analisarmos as coisas neste mundo com atenção é possível verificar que não há absolutamente nada que seja permanente. Todas as coisas, quer sejam na nossa mente e corpo ou no exterior, exibem a mesma característica de impermanência e instabilidade. As coisas surgem e desaparecem de acordo com causas e condições.

6. Mas e com relação ao sofrimento. Porque o Budismo coloca tanta ênfase no sofrimento?

A visão Budista do mundo pode ser descrita como realista. Ninguém pode negar que há sofrimento na vida. O envelhecimento, a enfermidade e a morte são causas de sofrimento para a maioria das pessoas. Também no dia a dia as pessoas estão sujeitas a todo tipo de desconfortos físicos e mentais que causam sofrimento e estresse em graus variados. Na verdade, para a maioria das pessoas a vida contém momentos de alegria e felicidade mais ou menos na mesma proporção de momentos de tristeza e infelicidade. Poderíamos chamar isso de padrão de uma vida normal e o Budismo simplesmente reconhece isso e afirma que não há nada de errado nisso. Se as pessoas sofrem elas não precisam se culpar por isso, visto que sofrer faz parte da vida.

Para curar um enfermo, a primeira coisa que um médico precisa fazer é um diagnóstico preciso para então saber qual o tratamento a ser prescrito. O Buda ao transmitir os seus ensinamentos agiu como um médico. O diagnóstico da condição humana é que o sofrimento é a experiência comum a todos os seres vivos, em forma de descontentamento, insatisfação ou tristeza. Em vista desse diagnóstico, o Buda prescreveu a maneira de dar um fim ao sofrimento; e o tratamento para dar um fim ao sofrimento é o núcleo da prática Budista. O sofrimento é a experiência que nos leva ao despertar, pois quando sofremos, tendemos a investigar, a ter curiosidade, a buscar uma saída.

O Budismo, na realidade, nos apresenta a oportunidade de despertar para a nossa verdadeira natureza, para a verdadeira liberdade, para o amor e a compaixão. Ele proporciona uma visão positiva do potencial humano para encontrar a verdadeira felicidade.

Extraído do site www.acessoaoinsight.net

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