domingo, 13 de março de 2011

“Olhe para aquele cipreste”


Quando a realidade é percebida em sua natureza de perfeição última, o praticante atinge o grau de sabedoria conhecido como mente não discriminativa: uma maravilhosa comunhão na qual não mais existe distinção entre sujeito e objeto.

Quang, isto não é um estágio tão distante e inatingível. Qualquer alguém que persista em praticar tem a chance de, ao menos, provar o seu sabor. Em minha escrivaninha, tenho uma pilha de papeis requisitando a adoção para crianças órfãs. Traduzo alguns deles por dia. Antes de começar a traduzir uma pilha, olho dentro dos olhos da criança na foto, observando atentamente sua feição e expressão. E sinto uma profunda ligação entre mim e cada criança, que me permite entrar em especial comunhão com elas. Ocorre-me agora, enquanto lhe escrevo que a comunhão que experimento ao traduzir uma simples linha desses pedidos é uma espécie de mente não discriminativa. Eu não mais vejo o “eu” que traduz os pedidos para as crianças, não mais vejo a criança que recebe amor e ajuda. A criança e eu somos um só: não há um que se compadece e outro que pede ajuda. Não há tarefa, não há trabalho social a ser feito, não há compaixão. Quang, se esses momentos não são de mente não discriminativa, o que hão de ser então?

Quando a realidade é experimentada em sua natureza de perfeição última, a amendoeira em seu jardim revelará sua natureza, em perfeita totalidade. Amendoeira é ela própria Verdade, Natureza de Buda, Realidade, seu próprio ser. De todas as pessoas que passaram por seu jardim, quantas realmente “viram” a amendoeira? Um artista, por ter o coração mais sensível e aberto, é capaz de ver a árvore de uma forma mais profunda que os outros: já existe uma certa comunhão natural entre ele e a árvore. O que conta é seu coração. Se seu coração não está nublado pelas falsas visões, você será capaz de entrar em comunhão com a árvore; a amendoeira estará pronta a revelar-se em sua totalidade. Ver a árvore é ver o Caminho. Quando pediram a um mestre zen que explicasse a maravilha da Realidade, ele apontou para fora dizendo: “Olhe para aquele cipreste”. Entende o que ele dizer Quang? Eu acho que sim.

PARA VIVER EM PAZ – Thich Nhat Hanh

2 comentários:

J. Frederico Schmidt disse...

Gosto muito de Thich Nhat Hanh .
Gostei do texto.

Reativei meu blog. Podem acessar "Esteja Aqui e Agora" através dele pois está "linkado"

http://papillonvoador.blogspot.com/

(catador de histórias)

Anônimo disse...

Quem aprende andar de bicicleta uma vez torna-se uno com o objeto e nao mais esquece.

Perde-se habilidade com a distancia, mas ao unir-se a bicicleta torna a andar com facilidade.

Quem ja atingiu o nao atingivel, mesmo que por hora esteja distante do "Cipreste", ao ler textos iluminados, torna a abrir a mente e inundar o corpo com luz. O coraçao invade tudo, e a mente se dissolve no vacuo.

Continue sim....

Paz Profunda