domingo, 17 de fevereiro de 2008

Em defesa do “não apego”

O primeiro e principal exercício, o que conduz de imediato às portas do bem, consiste, quando uma coisa nos prende, em considerar que ela não é daquelas que não nos podem ser tiradas; que ela é como um vaso, ou uma taça de cristal, que quando se quebra não nos perturba porque lembramos o que ela é em sua natureza. O mesmo acontece aqui: se abraças um filho, um irmão ou um amigo, não te abandone sem reservas à imaginação... que mal existe em murmurar entre dentes, enquanto se abraço o filho: “Amanhã ele morrerá?”

Epicteto (Entretiens, III, 84 ss.)

Compreenda bem o que Epicteto quer dizer: não se trata absolutamente de ser indiferente, muito menos de faltar aos deveres que a compaixão pelos outros nos impõe, em especial por aqueles que amamos. Nem por isso podemos deixar de desconfiar como da própria sombra dos apegos que nos fazem esquecer que tudo na vida é impermanente, o fato de que nada é estável neste mundo, que tudo muda e passa e que não compreender isso é preparar para si próprio os horríveis tormentos da nostalgia e da esperança. É preciso saber contentar-se com o presente, amá-lo o bastante para não desejar nada além dele, nem lamentar o que quer que seja. A razão que nos guia e nos convida a viver a natureza cósmica, deve ser então purificada dos sedimentos que a sobrecarregam e falsificam, assim que ela se perde nas dimensões irreais do tempo: o passado e o futuro.

Extraído do livro: Aprender a Viver de Luc Ferry – Escritor, filósofo e ex-ministro da educação na França.

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