sábado, 6 de setembro de 2008

Sábia consciência

Há uma procura muito intensa hoje em dia pelo atingimento de um lugar aparentemente desconhecido: a morada da sabedoria. O fastio provocado por um modo liberticida e materialista de existir, somado ao cansaço resultante da oferta incessante de inúmeras e ineficazes fórmulas prontas para o sucesso, leva à aspiração por algo misterioso e extremamente desejado. O sintoma mais evidente dessa ânsia está na profusão de medicinas, religiões, literaturas e rituais que anunciam um ponto de chegada que acalmará os espíritos e cessará a turbulência de mentes atormentadas pela busca de um sentido para a própria existência.


Parodiando o título da estupenda obra do escritor francês Marcel Proust, parece que agora é preciso irmos célere “em busca do tempo perdido”. No entanto, o romancista mesmo, em À sombra das raparigas em flor, nos ensina que “a sabedoria não se transmite, é preciso que a gente mesmo a descubra depois de uma caminhada que ninguém pode fazer em nosso lugar, e que ninguém nos pode evitar, por que a sabedoria é uma maneira de ver as coisas”

Sabedoria, uma maneira de ver as coisas! Claude Lévi-Strauss, antropólogo conterrâneo de Proust e, sem dúvida, o mais importante estudioso contemporâneo das culturas, escreveu em O cru e o cozido que “o sábio não é o homem que fornece verdadeiras respostas; é o que formula as verdadeiras perguntas”.

É necessário fazer outras perguntas, ir atrás das indagações que produzem o novo saber, observar com outros olhares através da história pessoal e coletiva, evitando a empáfia daqueles e daquelas que supõem já estar de posse do conhecimento e da certeza. Tempos de arrogância estes nossos! Muitos cientistas se arvoram em detentores da exclusiva posse da verdade, vários governantes assumem posturas petulantes ao recusarem a existência de concepções divergentes, inúmeros especialistas insistem na rejeição aos fatos em nome das teorias, variados líderes religiosos impedem o afloramento da quebra da alienação. Está rareando entre os altamente escolarizados e economicamente beneficiados a imprescindível modéstia sincera, aquela que nos permite enxergar limites nos nossos saberes e poderes.

Por isso, é imprescindível revisitar um monge beneditino que há aproximadamente 1.300 anos viveu na Inglaterra: Beda, que, além de ter sido santificado pela Igreja do período, era chamado também de o Venerável. Tamanha foi a erudição e honestidade narrativa que sustentou ao escrever uma trajetória de seu país – desde a ocupação romana até aqueles dias – que sua obra tornou-se referência para os estudos históricos medievais.

Um homem como ele, pleno de conhecimentos e admirado pela imensa capacidade intelectual, conseguiu não ser vítima da presunção que acomete a muitos e muitas nessa condição ou, até, longe dela; Beda nos legou (com validade indeterminada!) uma prescrição em forma de advertência, na qual diz que há três caminhos para a infelicidade (ou fracasso): 1) não ensinar o que se sabe; 2) não praticar o que se ensina; 3) não perguntar o que se ignora.

Uma tríade assim arremessa a idéia de sucesso para muito além do que muitos acreditam nos nossos modernos tempos; poderíamos dizer – retomando pelo positivo as três advertências de Beda – que o sucesso está na generosidade mental (ensinar o que se sabe), na honestidade moral (praticar o que ensina) e na humildade inteligente (perguntar o que ignora). Nesse sentido, o ensinamento do monge está impregnado do que entendemos ser a sabedoria ou, mais ainda, a sapiência.

Mas, como bradava o sólido lema francês do ensaísta Montaigne – no século em que o Brasil era fundado – “que sais-je? – (que sei eu?)...

Não nascemos prontos! Provocações Filosóficas

Mario Sergio Cortella

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